Proibição de rematrícula escolar, eficácia horizontal dos direitos fundamentais e o autoritarismo histórico no Brasil: breves reflexões a partir de um caso concreto.

A nossa história não nega: o povo brasileiro é, em geral, vocacionado ao autoritarismo. Exemplos diários não faltam. 

Há algum tempo atrás recebemos um telefonema de uma cliente que, desesperada, relatou que havia sido notificada extrajudicialmente de que a sua filha, por conta de uma decisão administrativa já tornada definitiva, não poderia ser rematriculada no colégio. O motivo: ela (a mãe), fora da companhia da garota, havia se envolvido numa discussão fora do horário de aula com uma das professoras da menina e, supostamente, durante o calor do momento, conforme declaração unilateral dada pela mencionada funcionária da escola num boletim de ocorrência lavrado on line, acabou injuriando verbalmente a docente.

De início, não nos parece aceitável que um isolado boletim de ocorrência digital, documento este desprovido de qualquer presunção de veracidade já que os fatos nele constantes foram narrados unilateralmente pela própria “vítima”, possa servir de base para a tomada de um ato inopinado tão extremo contra uma adolescente. Nesse sentido, por exemplo, decidiu o STJ no ano de 1997 no REsp. 63.750/SP.

No mais, é um tanto absurdo que o referido decisum tenha sido tomado sem que dada a chance de prévia (ampla) defesa, em procedimento administrativo, à parte interessada. Afinal, cadê o constitucional due process of law? Ora, é de conhecimento que o Supremo Tribunal Federal, seguindo o que diz a majoritária doutrina brasileira, espanhola e portuguesa, entende (STF, RE 158.215-4/RS) pela eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais também no âmbito das relações particulares.

Por fim, soa ainda mais teratológico que a menor de 18 anos, pessoa ainda em desenvolvimento e, portanto, hipervulnerável (STJ, Resp. 1.517.973/PE), responda na seara administrativa, ainda mais de forma objetiva, ou seja, desprovida de culpa, por uma suposta conduta praticada somente pela sua mãe, pessoa plenamente capaz, quando nem sequer o contrário seria juridicamente justificável. Afinal, cadê a pétrea pessoalidade da pena prevista no artigo 5º, XLV, da CF/88?

Esse bizarra penalidade, diga-se, já revertida, inclusive, com graves consequências aos responsáveis pela sua aplicação, bem demonstra que o Direito não é apenas um meio de manutenção do status quo na sociedade ou, nas palavras de Marx, uma simples forma ideológica de dominação. É, também, através dos seus instrumentos e teses, como por exemplo, as ações mandamentais e a punitive damages doctrine (STJ, REsp. 860.705/DF), mecanismo de realização de justiça e de transformação social. Aqui, em particular, podemos concordar com a idealista afirmação do professor Tercio Sampaio Ferraz Junior de que, por vezes, “o direito, assim de um lado, protege-nos do poder arbitrário, exercido à margem de toda a regulamentação, salva-nos da maioria caótica e do tirano ditatorial, dá a todos oportunidades iguais e, ao mesmo tempo, ampara os desfavorecidos”.Proibição de rematrícula escolar, eficácia horizontal dos direitos fundamentais e o autoritarismo histórico no Brasil: breves reflexões a partir de um caso concreto.

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