Recentemente circulou em uma rede social a tese de que o atual delegatário de uma serventia extrajudicial no Brasil é obrigado, “por lei”, a retificar gratuitamente todo e qualquer erro imputável exclusivamente pelo outrora titular do mesmo cartório e/ou seus prepostos na época, ainda que tenha o fato ocorrido, por exemplo, no século XIX.
A referida tese, no entanto, não possui esteio normativo.
No Brasil, o delegatário possui responsabilidade civil subjetiva (é necessário provar a sua culpa), conforme dispõe a atual redação do artigo 22 da lei 8935/1994 e, nessa senda, não responde por atos culposos cometidos há décadas por outros titulares da mesma serventia e/ou seus outrora colaboradores.
Cabe lembrar, ademais, que o Superior Tribunal de Justiça entende que a serventia extrajudicial (o comumente chamado cartório) não possui legitimidade para figurar em juízo no polo passivo de eventual demanda reparatória (quem figura como réu nesses casos é o responsável pelo cartório), o que logicamente impede que o hodierno titular sucessor (pessoal natural) responda, ainda que superado eventual bloqueio prescritivo, pelos danos que o então titular sucedido e/ou seus prepostos causaram na ocasião por negligência, imperícia ou imprudência.
Temos, outrossim, que o disposto no §5º do artigo 110 da Lei de Registros Públicos do Brasil, ato normativo este apresentado como núcleo da tese veiculada na internet, deve ser lido de forma sistemática com o que dispõe o vigente artigo 22 da Lei dos Cartórios, de forma que o erro retificável gratuitamente pelo delegatário é apenas e tão-somente aquele cometido dentro do prazo prescricional apontado na lei e por culpa do atual registrador ou por falha de algum dos seus funcionários.
Fica aqui, entretanto, uma provocativa pergunta: Poderia o estado brasileiro responsável pela outorga da delegação ser responsabilizado pelos erros cometidos pelo registrador titular da serventia?
A resposta aqui é positiva, uma vez que o Pretório Excelso decidiu, em repercussão geral (tema 777), que “o Estado responde objetivamente (sem necessidade da prova da culpa) pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros”. Há de se considerar, neste caso, entretanto, que a pretensão reparatória aqui tratada é prescritível, cabendo ao interessado, portanto, antes avaliar com bastante calma o caso concreto.